quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Último Ato do Apocalipse

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Findar dos Dias, dos Tempos, da Era dos Homens ou do Mundo…
Para mim, o que realmente importava não era o nome dado, e sim, o próprio conceito da expressão “Findar”. Um conceito tão antigo quanto o próprio mundo e que, desde as mais remotas eras, até as mais recentes, se fazia presente em praticamente todas as culturas da Terra, no que, cada qual, e de comum acordo com as suas tradições, o registrava de alguma forma. Sumérios, nórdicos, gregos, celtas, romanos, maias, egípcios e demais povos da antiguidade sempre o evidenciaram em suas escrituras e livros sagrados. Um conceito tão antigo quanto o próprio mundo, temido e estudado a fundo pelos exegetas, teólogos e atuais adeptos das três maiores e mais influentes correntes religiosas da Humanidade: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. Um conceito tão antigo quanto o próprio mundo, todavia, que ninguém, repito, ninguém, em verdade, considerava ser capaz de transformar-se, nalgum dia, em fato verídico e consumado. Eu mesmo, embora soubesse isso tudo sobre “ele” e, não obstante, neste exato momento, o vivenciasse na própria pele, ainda recusava-me a acreditar que a dantesca imagem diante de meus olhos atônitos, esbugalhados pelo terror, fosse, tão somente, o desencadear do prenunciado Armagedon, ou seja, o último e derradeiro ato do Apocalipse Bíblico.
De repente, dou-me por conta da realidade e estremeço. Para todos os lados a que dirijo o olhar, encontro sangue, destruição e morte. Milhões de corpos sem vida e outro tanto de mutilados. Dor e desespero. Agonia, medo e desesperança. O mundo à minha volta, céus e terras, ardendo em chamas e transformado num único e gigantesco campo de batalha. Dois colossais exércitos, frente a frente e prestes a se enfrentarem. De um lado, eu e o pouco que resta da quase exterminada raça humana, alguns poucos milhões de indivíduos, juntamente com dezenas de milhares de Anjos que, apesar de suas imponentes e majestosas asas multicoloridas, seus impressionantes arcos e escudos, compridas lanças, ameaçadoras espadas de lâminas azuladas e reluzentes armaduras e elmos, nem sombra fazem ante o descomunal exército das trevas, composto por vários bilhões de demônios, com ou sem asas, porém, fortemente armados, sedentos de sangue e sob o comando de ninguém menos do que Lúcifer, o Senhor de Todos os Demônios, em pessoa.
Ao vislumbrá-lo entre os seus principais generais e à frente das macabras tropas infernais, um arrepio percorre-me as entranhas. Engulo em seco, porém, permaneço firme em minha posição, sem vacilar. Afinal de contas, eu sempre soube que este trágico e inevitável dia chegaria. Na verdade, todos nós: homens, mulheres e anjos sempre soubemos, todavia, nunca acreditamos realmente.
Percebo um filete de suor escorrendo por minha testa e minhas mãos começam a tremer. Medo e consternação invadem a minha alma. Sinto medo da morte e consternação por não poder evitá-la. Sinto medo do futuro e consternação por não poder alterá-lo.  Olho para os lados e vejo os meus companheiros de armas, tão apavorados e temerosos quanto eu. Introspectos e absortos em seus próprios dilemas, como eu. Olhares perdidos na distância e corpos ensangüentados, como os meus. Corações destroçados e almas aflitas. Sonhos e esperanças dilacerados pelos véus da incerteza e do medo. Inspiro profundamente, enquanto tento me armar de coragem e determinação. Mas, como todos ali, homens, anjos e demônios, também eu estou cônscio de que posso perecer nos próximos minutos, de modo que só me resta pedir, ou melhor, implorar à Dama da Foice que me abrace de forma rápida e indolor.
Um repentino soar de trombetas e meus dedos se apertam em torno do cabo de minha espada, pois sei que naquela lâmina azulada repousa as últimas esperanças de minha raça.
Um segundo soar de trombetas e ambos os exércitos lançam-se à batalha. São os destinos da humanidade e do próprio planeta que começam a ser decidido em um sangrento, cruel e macabro embate, do qual, seguramente, apenas uns poucos sobreviverão e cujo exército vencedor deterá como recompensa final, domínio total sobre a Terra.
Enquanto corro em direção ao inimigo – espada empunhada qual mortífera extensão de meu próprio ser, adrenalina ao máximo e coração em disparada – sutis lembranças de outros tempos e de outra vida ecoam em minha mente. E, quando enfim percebo, estou de volta ao momento em que tudo começou…

2

Doze meses antes da batalha: o primeiro ato do Apocalipse…
Um dia como outro qualquer. Acordo cedo, tomo café e vou trabalhar. Ao fim da tarde, encerro o meu expediente e deixo a escola técnica onde leciono. Retorno para casa, tomo um banho e saio para beber com alguns amigos.
Após a noitada, volto para casa, como alguma coisa e resolvo assistir um filme na televisão. O filme vai bem, até ser subitamente interrompido e substituído por uma alarmante e terrível notícia: Londres encontra-se sob intenso ataque terrorista, está sendo totalmente arrasada e literalmente arde em chamas!
No princípio, eu não acredito e até esboço um tímido sorriso. Entrementes, diante das cenas apocalípticas que se desenrolam a seguir, vejo-me obrigado a aceitar tal infortúnio como evento real e consumado, no que fico apavorado e aturdido ante as imagens de destruição e desolação. A notícia rapidamente se espalha e a balbúrdia toma conta das ruas. Pessoas correm assustadas de um lado para o outro. Outras recolhem as crianças para dentro das casas. Buzinas e sirenes. Caos e confusão.

Daquele momento em diante, não desgrudo mais da TV, ansioso por maiores detalhes e novas informações. Fala-se em retaliação e há até quem afirme que aquilo se transformará no início da Terceira Guerra Mundial. Então, fico sabendo que além da capital inglesa, a nação da Romênia inteira encontra-se incomunicável há mais de uma semana. Um misto de preocupação, nervosismo e aflição apossa-se de meu ser.
Num determinado momento, a imagem da TV embaralha e quando retorna, eu quase caio do sofá. Ali, diante de mim, encontra-se, em carne e osso e como que saída das entranhas do Inferno, sinistra criatura, dotada de enormes e assustadores pares de asas. O ser começa a falar e eu quase não ouço o que diz, assombrado que estou. No final, lembro apenas de tê-lo escutado se apresentar como sendo Lúcifer e, ato contínuo, exigir a completa e total rendição global, sob pena de aniquilamento às nações que o desafiarem, insurgindo-se contra suas determinações.
Fico ainda mais nervoso. Começo a transpirar e tremer descontroladamente.
Não durmo naquela noite. Mal afasto-me da frente da TV, refém do medo e da curiosidade. A madrugada vem e, de súbito, animo-me ao escutar sobre uma grande ofensiva militar comandada pela ONU que já está em andamento contra Lúcifer e o seu amaldiçoado exército das trevas. Mas, a alegria dura pouco, pois a investida se transforma no maior fiasco militar da História, onde vários milhares de Boinas Azuis perdem suas vidas sem que ao menos um demônio seja sequer ferido.
Lúcifer ressurge e anuncia, a título de retaliação, a total destruição de cinco das maiores capitais e metrópoles européias, conjuntamente com o extermínio de suas populações. Sem conseguir respirar direito, devido ao pânico, eu assisto, perplexo, à concretização da anunciada retaliação, no que as cidades de Roma, Paris, Moscou, Berlim e Madrid sistematicamente desaparecem do mapa, consumidas pelo fogo. Então, sem nenhum aviso, dou um novo salto no tempo…

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Seis meses antes da batalha: o segundo ato do Apocalipse…
Encontro-me agora em uma gigantesca base militar secreta, escavada sob as inóspitas geleiras da Antártida, ao lado de milhões de outros humanos, recrutados ao redor do planeta, pelos Anjos – seres que, paralelamente aos demônios, irromperam do nada em nosso mundo e, quando já não acalentávamos mais nenhuma esperança e tudo parecia perdido, prenunciaram-nos a salvação, não divina ou milagrosa, mas pelas armas e pela guerra – onde me submeto há mais de ano, a rigoroso e intenso treinamento. E enquanto aprendo a manejar as armas – espadas, lanças, punhais, machados e arcos com suas setas de gélidas lâminas azuladas que, segundo os nossos instrutores alados, seriam as únicas capazes de abreviarem as vidas de nossos infernais inimigos, uma vez que armas de natureza humana são totalmente inofensivas a estes – vou acompanhando a evolução dos acontecimentos.
De lá, assisto impotente e inconformado ao desmantelamento da antiga ordem mundial, assim como à dura e cruel flagelação provocada pelos sanguinários ataques dos demônios à Ásia, à África e à Oceania, cuja maioria das nações, em questão de horas, sucumbe, ao mesmo tempo em que suas populações são aniquiladas. Assisto atônito à transformação da Europa central em gigantesco campo de concentração e extermínio continental, para onde passam a ser levados e posteriormente executados todos os humanos capturados nos demais continentes.
O treinamento prossegue até que finalmente chega o dia em que as legiões de Lúcifer ameaçam atacar as Américas, reduto dos últimos humanos livres da Terra. Diante dessa nova ameaça, os anjos decidem enfrentá-los em seu próprio território, no que imediatamente atravessamos os oceanos rumo à Europa, a bordo da maior esquadra naval da História. Lá chegando, desembarcamos e marchamos diretamente para o inimigo…

4

De volta ao presente: o último ato do Apocalipse…
Anjos, demônios e homens dividem o mesmo fardo e o mesmo Inferno.
Anjos, demônios e homens transformam-se em Emissários da Morte.
Anjos, demônios e homens lutam e matam.
Anjos, demônios e homens sangram e morrem.
Em meio aos incessantes brados de guerra, muita confusão, cotoveladas, chutes e socos. Os violentos entrechoques das espadas produzem faíscas, chuvas de flechas e de lanças perfuram corpos, golpes certeiros decepam membros e dão vazão a um monstruoso rio de sangue, no que ambos os exércitos se amontoam na mais funesta e amaldiçoada das batalhas.
Para enfrentar os cruéis demônios, também me transformo em uma espécie de demônio. Com o coração e a alma na ponta da espada, eu corro, grito, chuto, corto, rasgo e mato. Sangro e faço muitos de meus oponentes sangrarem. Agora, o medo e a consternação de alguns minutos atrás, já não existem mais. Cederam lugar à raiva, ao ódio e à fúria, à insaciável sede de sangue e à incontrolável vontade de matar, um desejo sem par de provocar dor e ceifar vidas. De repente, me vejo sozinho e cercado pelo inimigo. Os meus companheiros, ou estão mortos, ou muito ocupados para perceberem a delicada situação em que eu me encontro. Os demônios formam um círculo ao meu redor, no que giro a espada em volta da cabeça e logro mantê-los afastados por um tempo. Mas, eis que piso em falso, no corpo ensangüentado de um colega morto e desabo sobre aquele macabro lago escarlate. Instantaneamente, a turba demoníaca lança-se enfurecida qual enxame de abelhas, sobre mim. Tento defender-me de seus golpes, mas suas espadas e lanças rasgam a minha carne e órgãos como se fossem meros pedaços de papel…

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Acordo sobressaltado e encharcado de suor. Minhas mãos e pernas tremem em franca convulsão nervosa, enquanto o coração parece querer saltar pela boca. Sento na cama e procuro me acalmar. E, embora eu esteja cônscio tratar-se apenas de um sonho, extremamente realista, mas, ainda assim, um sonho, ponho-me a rezar. Para quem ou para o quê, eu não sei. Mas, por algum tempo, não sei precisar o quanto, permaneço assim: sentado de olhos fechados, convertendo toda aflição e agonia que sinto em acalentadoras orações, pedindo sempre a mesma coisa, ainda que saiba de antemão que o meu esforço de nada adiantará e jamais serei atendido em minhas preces. Agora é tarde demais e não há mais como voltar atrás.
Subitamente, pesada mão apóia-se em meu ombro e afetada voz retira-me de tal estado de contemplação espiritual.
– Está na hora! Precisamos ir, pois a batalha já vai começar… – comunica-me a majestosa figura angelical com a qual divido a barraca de campanha.
Levanto. Visto a armadura, apanho a espada e o escudo e me dirijo para a saída da tenda, consciente de que o cruel destino não me permitiria retornar vivo daquele último e crucial embate a ser travado na derradeira Guerra dos Anjos…
O último e derradeiro ato do Apocalipse!


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