quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Portador da Luz - Parte 9

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             Aeroporto Internacional de Guarulhos, São Paulo. 
            A bela jovem já havia percebido o homem, momentos depois que ele adentrara ao saguão. Ela caminhou de modo aparentemente distraído, mas seus movimentos eram calculados e executados à perfeição. Ainda assim, o homem não demorava a surgir nas proximidades, embora, ele mesmo fizesse o possível para passar despercebido. Não havia dúvidas, ele a seguia.
            As opções da jovem eram muitas, ela havia sido muito bem treinada, mas seu perseguidor também não era nenhum principiante, e havia um detalhe bastante curioso, ele viera sozinho. Decidida, tomou uma escada rolante, que a levou ao mezanino superior, aproximando-se da grade que ladeava o grande vão central, como se observasse o saguão do alto, despreocupada, tal qual qualquer um que fizesse hora, aguardando seu voo. De maneira proposital, escolhera um lugar mais afastado, estando praticamente só. Instantes depois, o homem se postou ao seu lado, pouco menos de dois metros de distância.
           – Deixando o país,  senhorita Tatiana Michalovna – perguntou, sem lhe voltar o olhar.
            A jovem sorriu ao responder, deixando transparecer um sotaque que não possuía.
            – Saudades de casa – respondeu, também mantendo o olhar fixo nos transeuntes abaixo. – São Petersburgo é linda, nesta época do ano.
            – E Moscou? Parece que você visita a capital muitas vezes, não?
            Desta feita, a jovem se voltou para o homem, aproximando-se alguns passos.
            – Meu trabalho me obriga a muitas viagens, mas você me parece um tanto curioso demais, não? – perguntou, alargando o sorriso.
            – O suficiente para saber que seu nome verdadeiro é Pola Onatopp, e que trabalha para o FSB, Serviço Federal de Segurança, a antiga KGB, se me permite comentar, e atual Serviço Secreto Russo. É considerada eficiente, agente de primeira linha, apesar da idade, tendo sido aprimorada em uma base secreta, em Severnaya.
            – Vejo que fez sua lição de casa. Bastante eficiente, agente Francisco Gonçalves Silva, da SBI, mais conhecida como Logística. Mas vou poupá-lo de declamar sua ficha inteira de serviços. Creio que a conhece muito bem.
            Desta feita, foi a vez do homem se aproximar.
            – Então, não necessitamos mais fingir. Temos algumas perguntas para você responder e…
            – Agente Francisco, você não veio aqui para me deter, caso contrário, não teria vindo sozinho, e muito menos, quero crer que pretende verificar se nos equivalemos em combate. Seja como for, vocês não têm nada contra mim, tirando algumas fotos, para as quais, é claro, tenho álibis incontestáveis. Então, se é para pararmos de fingir, por que não vai direto ao assunto?
            O sorriso da jovem era franco e seguro. Francisco gostava daquilo.
            – Está bem – respondeu o agente, retribuindo-lhe o sorriso. Pola Onatopp era, de fato, muito bonita. – O que tem para mim, de agente para agente?
            A jovem ponderou por um momento, cedendo a seguir.
            – Penso que não muito. Eu trabalhava infiltrada, dentro de uma das muitas facções da Máfia Russa. Foi nesse sentido que atuei como intermediária, junto a Casimiro, que era nosso contato aqui. Assim que um pedido grande de armas foi concretizado, tínhamos provas suficientes para deter a todos, em meu país. Feito isso, minha missão terminou e fui chamada de volta. Contudo…
            Francisco ergueu as sobrancelhas, incentivando a jovem continuar.
            – Contudo, parece que o comprador fez uma conexão direta com outra facção, mas não sabemos o que foi vendido.
            – Não sabem?
            A jovem maneou a cabeça.
            – Não. Existem muitos grupos dentro da Máfia Russa. Um sem número delas conta com a colaboração de ex-militares e, mesmo, de oficiais ainda na ativa.
            – Você sabe algo sobre alguma operação que envolveu um submarino nuclear, nas costas do Rio de Janeiro?
            Desta feita, foi a vez da jovem cerrar as sobrancelhas.
            – Não sei nada a respeito. Se foi usado um submarino nuclear, tenha a certeza de que foi algo bem grande.
            – Poderia tentar descobrir exatamente o quê?
            – Posso tentar, mas não posso prometer. Vou levar a questão aos meus superiores, mas mesmo que aprovem, pode levar tempo.
            O agente Francisco agradeceu e se despediu, mas seu semblante não demonstrava descontração. Tempo era um artigo em falta.

 28

             Três semanas depois
            – Apocalipse! Agora, a palavra de ordem é apocalipse!
            O coronel encarou os outros dois homens. Aquela era a terceira reunião emergencial nos últimos dez dias.
            – Francisco, repasse o que temos até agora – ordenou, com voz cansada, que denotava preocupação. As últimas semanas haviam exigido o máximo de todos empenhados naquele caso.
            – No último mês, ficou claro o uso intenso de discursos de efeito, para angariar pessoas à causa. O senhor Renan se torna cada vez mais explícito, em suas mensagens, onde repetidas vezes, as mesmas palavras aparecem, agora acrescidas de “apocalipse”, como o senhor bem colocou, coronel, assim como a frase “faremos todos eles pagarem pela expiação”. Também é intensa a conotação entre “a luz e a palavra” com “o raio e o trovão”. Por tudo que vem sendo demonstrado, creio que nos seja seguro presumir que Renan tem em mente levar essa expiação de fato, ou seja, levar a punição àqueles que ele acha que devem ser punidos.
            – O que, pelo que podemos notar, é qualquer um que não siga suas crenças. – acrescentou Júlio, sempre mais ao fundo, de maneira franca.
            – Em outras palavras, senhores – observou o coronel – um bocado de alvos em potencial. Precisamos de algo mais palpável em mãos. Com o que temos, não podemos deter ou acusá-lo de planejar um atentado, ou coisa que o valha.
            – Sabemos disso, coronel – respondeu Francisco – mas há apenas este desenho. Temos suspeitas, mesmo que fortes, mas apenas suspeitas. Em realidade, até aqui, Renan apenas vem pregando um discurso inflamado. Nosso setor jurídico, inclusive, deu parecer desfavorável a uma interpelação com base no que temos. Se acuado, Renan facilmente poderá afirmar que se refere metaforicamente a essas questões. O próprio linguajar das escrituras, ou qualquer outro texto que ele siga, corrobora a afirmação. No mais, os incidentes envolvendo armas foram inconclusivos, e não se conseguiu estabelecer uma ligação dos fatos a ele ou a Igreja da Luz e da Revelação.
            O coronel se levantou e caminhou até a grande vidraça. Olhar a paisagem , por um momento, sempre servia para desanuviar a cabeça e perceber novas idéias ou detalhes.
            – Alguma notícia de sua amiga russa? – perguntou, de repente.
            – Bom, Pola Onatopp não é exatamente minha amiga – respondeu Francisco, com um breve sorriso – mas respondendo a questão, não, coronel. O último informe aconteceu ontem, e até a presente data, eles não têm nada de novo.
            O coronel se virou, abandonando a vista e se voltando para os dois agentes. Havia um brilho súbito em seu olhar.
            – E aquele outro elemento, o tal de Moisés?
            – Eu ia mesmo levantar esta questão, coronel – se manifestou Júlio, por sua vez. – Finalmente nossos esforços foram recompensados. Isto chegou há poucos instantes. Depois de ter sido apresentado com destaque, junto a Renan, inclusive em seus comícios, ele havia desaparecido. Contudo, foi localizado no Rio de Janeiro, trabalhando em uma empresa de reformas prediais e de monumentos públicos.
            – Trabalhando? – perguntou o coronel Campos, surpreso. – Assim de repente? E ainda por cima, no Rio de Janeiro? Algo não me cheira bem aqui.
            – Concordo, senhor – respondeu Júlio. – Não dá para ignorar a coincidência. Foi na costa do Rio que se deu o incidente com o submarino.
            – Talvez esses fatos não tenham ligação. Pelo que sabemos, o caso do submarino ainda é um mistério, até mesmo para a Inteligência Russa.
            – Tem sim, Francisco, pode apostar que tem; o instinto me diz. Está tudo muito certo, certo demais. Você mesmo leu, o levantamento feito pelo pessoal do Júlio. Esse Moisés foi uma criança abandonada, que nunca conheceu os pais. Só não caiu no crime porque, desde cedo, acabou por prestar trabalho a igrejas regionais ou paróquias, tanto nas cidades do interior paulista, bem como na capital. Tem apenas o estudo básico, ministrado pelas muitas missões por onde passou. Sua figura é de uma pessoa tímida, inocente e que se presta a pequenos afazeres, dedicando o restante do tempo à religião. Contudo…
            O coronel Campos deixou a frase aberta, por um momento, antes de continuar.
            – Contudo, pelo que conseguimos apurar, ele sempre foi fortemente influenciado por aqueles que dirigiam as igrejinhas, por onde passou. Aqui é clara a identificação da figura paterna, que nunca conheceu. Obviamente, padres e pastores, de um modo geral, são boas pessoas e, portanto, tais influências foram benéficas. Porém, o que se pode dizer ou esperar de alguém, com uma visão distorcida, como a de Renan?
            – Sob esse perfil e nessas circunstâncias, certamente Renan teria nas mãos alguém facilmente manipulável, pronto para cumprir seus desígnios, possivelmente crente de que estaria agindo para fazer cumprir uma vontade divina – concluiu Francisco.
            – Soma-se a isso, todo aquele palavreado dos discursos, e temos claramente um cenário, que está nos gritando a pleno pulmões, sobre um atentado eminente! – concluiu o coronel, com raiva, reprimindo uma vontade de esmurrar a mesa à frente. – Temos as causas e um integrante potencial para cometê-lo.
            – Certo, mas quando e onde? – questionou Júlio.
            – Quanto ao “quando”, creio que devemos trabalhar com a hipótese, até mesmo por segurança, de que será em breve – respondeu Campos com convicção. – Vamos considerar o mais cedo possível. Em relação ao “onde”, como já afirmei, acredito fortemente de que o incidente no mar está diretamente relacionado como o nosso caso e, portanto, teríamos como alvo primário, o Rio de Janeiro, e em segundo lugar, São Paulo, onde é a sede da igreja.
            – Ok, trabalhemos com o Rio, para começar – ponderou Francisco. – E aí, voltamos à questão do submarino. Ao que tudo indica, Renan deve estar tramando algo grande, mas por que um submarino? Há maneiras muito mais fáceis de se contrabandear armas, ou mesmo explosivos, sem se expor em uma operação naval complicada, envolvendo, inclusive, o risco de um incidente internacional de enormes proporções!
            – Esse é o ponto, Francisco. E a resposta para isso é que deve ser algo que não seria possível trazer pelos meios convencionais.
            – Mas o que pode ser, para necessitar de um submarino nuclear russo? – perguntou Júlio, arrematando em tom de gracejo. – Uma bomba atômica?
            O silêncio que se seguiu foi absoluto. Os homens se entreolharam, com medo das implicações daquela frase e suas possíveis conclusões.
            – Espere aí, gente, eu só falei por falar! Vocês não acreditam mesmo que…
            O coronel Campos fez sinal para que Júlio se calasse. Alguma coisa apertava-lhe o estômago, deixando um gosto amargo e azedo na garganta. Um frio gélido lhe subiu a nuca, quando um lampejo lhe surgiu em mente.
            – No jornal da semana passada, li uma nota que destacava uma nova operação de limpeza e reforma, no Cristo Redentor. Francisco, acesse no computador o nome da empresa e levante tudo sobre ela – disse, enquanto Francisco já corria para fora da sala.
            – Mas… mas, coronel… uma… bomba atômica?
            Campos se voltou para o homem no oposto da mesa.
            – Pode ser loucura, Julio, bem sei, mas pode não ser. E eu não vou desprezar qualquer hipótese neste caso, por mais absurda que seja.
            Poucos instantes depois, a porta da sala de reuniões se abriu. Francisco, à entrada, se achava branco como um fantasma.
            – A empresa é a mesma onde localizaram Moisés empregado. E tem mais. Estava muito bem disfarçada, o que evitou nossas checagens e cruzamentos de dados, através da Igreja da Luz e da Revelação, mas agora não há dúvidas. A empresa pertence ao rol das firmas ligadas à organização.
            – Mas porque se dariam ao trabalho de colocar uma bomba atômica no Cristo Redentor? – questionou Júlio.
            – Pela altitude, Júlio – respondeu o coronel – pela altitude. Em solo, grande parte da energia seria absorvida pela Terra, diminuindo consideravelmente sua eficiência e poder de destruição. Mesmo a bomba de Hiroshima, foi detonada a quinhentos e cinqüenta metros acima da cidade.
            – Minha nossa! – exclamou Júlio, se dando conta, por fim, da magnitude da crise. – Então, esse louco tem mesmo uma bomba atômica!
            O silêncio que se seguiu só foi cortado pela voz do coronel Campos, que soou grave e distante.
            – A Luz e a palavra. O apocalipse pelo raio e o trovão.

Continua...

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