quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Portador da Luz - Parte 2

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2

O homem avançava apressado pelos corredores, sem se deter ou observar a qualquer um, muito embora, todos pelos quais passava, o observavam disfarçadamente, de um modo ou outro.
De certa forma, os corredores compunham um verdadeiro labirinto, agora tomados por um sem número de pessoas, entre técnicos de informática, pessoal de acabamento, tapeceiros e muitos, muitos encarregados da segurança. Em várias salas, os móveis ainda nem haviam sido instalados, e mesmo assim, a movimentação e atividades eram intensas.
As conversas, os murmúrios e os comandos se misturavam e se sobrepunham uns aos outros, somados aos mais diversos ruídos, desde furadeiras até ao martelar incessante, tudo constituindo uma cacofonia desagradável, e, no entanto, nada daquilo parecia incomodá-lo, quando por fim, alcançou a sala a ele destinada, que diferente das demais, se apresentava impecável. Ao fechar a porta, um silêncio aprazível finalmente o envolveu, e todos os sons foram deixados do lado de fora.
Ainda junto à porta, a primeira coisa que fez, foi observar com satisfação a placa que lhe trazia o nome, ostentada à mesa. Douglas Fiori Campos, coronel Douglas Fiori Campos. Aquele era seu novo local de trabalho, e apesar de apenas esta sala e algumas poucas outras, já se encontrarem em condições operacionais, ainda assim o orgulho que sentia exacerbava qualquer descrição.
O coronel pendurou o quepe, bem como o paletó, largando o corpo a seguir e se recostando na poltrona de couro preto imaculado, encosto alto e reclinável, confortável o suficiente para lhe arrancar um sorriso do rosto.
Seguindo o mesmo padrão, o ambiente era muito bem decorado, com os móveis em mogno apresentando uma tonalidade que puxava para o avermelhado. Às costas, pendurado à parede impecavelmente branca, o Brasão da República e mais ao canto, presa a um mastro de pedestal, a Bandeira Brasileira.
Campos não podia se achar mais satisfeito. Após os mais variados contatos com diversos assessores, e mesmo com o presidente em pessoa, fora finalmente nomeado para o cargo de primeiro Diretor Geral do recém criado SBI, o Serviço Brasileiro de Inteligência. Fora necessária muita política e um sem número de visitas de cortesia, somado a infindáveis reuniões, mas cada hora e dia, que passara por aquilo, valera a pena.
Campos era mais um dos chamados militares da nova ordem, mais um jargão que se iniciara com o coronel Moura, da Base Aérea Secreta de Cruzeiro. Assim como Moura, Campos era um militar que via e aplicava as mais avançadas metodologia de gestão existente em empresas e industria, com o intuito de obter a máxima eficiência com a menor burocracia possível. Desde o emprego com sucesso de tais métodos, pelo coronel Moura, na base de Cruzeiro, muitos militares brasileiros haviam se capacitado em gestão avançada. Campos era o mais recente de uma lista que só aumentava a cada dia.
E com tal conhecimento, associado à vontade e capacitação para aplicá-lo, ter o cargo de Diretor Geral era uma vantagem sem precedentes na História do país. Além de poder definir os procedimentos a serem implementados, como bem lhe conviesse, o novo órgão não era apenas mais um braço do SISBIN, o Sistema Brasileiro de Inteligência. Era uma agência tão secreta que prestava contas diretamente para o presidente da república, cujas atividades eram autônomas e independiam de aprovação superior. E salvo alguns poucos assessores e militares do Alto Comando das Forças Armadas Brasileiras, ninguém mais sabia da existência daquele programa recém inaugurado de informações e contra-espionagem, com atuação efetiva dentro e fora do Brasil.
O orçamento destinado à agência saia do fictício Programa de Investimento para Subsídios à Pesquisa de Vanguarda, algo tão obscuro quanto o nome de batismo. E se tal programa acabasse por chamar a atenção de algum bisbilhoteiro, este apenas encontraria quilos e mais quilos de papéis, com as mais extravagantes e estapafúrdias teorias e pesquisas, tais como “A produção de combustível alternativo através da fermentação de excrementos de animais campestres” ou “Resíduos de celulose voltados ao enriquecimento do rendimento de usinas alcooleiras”.
Para todos os efeitos, a verba oficial era baixa, o que afastava os preocupados em escândalos especulativos ou aqueles que só se interessavam por levar alguma vantagem financeira, sobre qualquer coisa que pudessem descobrir e participar, mesmo que indiretamente.
O coronel ergueu a cabeça e olhou para o relógio, fixo à parede à frente. Passavam poucos minutos das oito da manhã. Às dez em ponto, iniciaria a primeira reunião de seu estafe. Ainda havia tempo, e esperava que todos os preparativos e serviços em andamento estivessem concluídos, no máximo, em pouco mais de uma hora e meia. Conforme seu cronograma mental, às dez e vinte, todos já se estariam inteirados de como se daria a rotina diária e os procedimentos a serem cumpridos, nas mais diversas situações. Às dez e trinta, planejava ligar o servidor principal e dar início ao recebimento dos mais diversos dados, de todos os recantos do país. A partir de então, o novo órgão se encontraria operacional e atuante.
De momento, como que para caracterizar sua maneira moderna e precisa de gerir, ele mesmo apelidou a instituição que nascia de logística.

3

Chovera a madrugada inteira e ainda chovia, quando o Air Bus tocou a pista do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de janeiro, naquele dia de frio incomum para a cidade.
A passagem pela Polícia Federal se dera rápida, afinal, o homem trazia apenas a bagagem pessoal consigo, além de haver bem poucas questões que alguém gostaria de fazer a um pastor e pregador, que retornava de países africanos. Quando alcançou à área externa, se deteve por uns instantes, deixando a chuva fina atingir-lhe o rosto. Após meses de seca e calor insuportável, se deparar com um Rio de Janeiro naquelas condições era uma verdadeira benção, mais um sinal enviado pela sabedoria d’Ele, que lhe mostrava o contentamento com seu retorno e com as idéias através das quais iria renovar e edificar, uma vez mais, a fé no país.
Ainda debaixo da fina garoa, como se apreciasse aquelas diminutas gotinhas se aglutinando e escorrendo pela testa e rosto, aguardou, quando um luxuoso automóvel, com vidros totalmente negros, encostou-se ao meio-fio. Prontamente, o motorista desceu, contornou o veículo e, sem uma palavra, abriu-lhe a porta traseira, postando-se rígido, em seguida, tal qual um soldado o faz, quando em presença de um oficial. O homem também nada disse, apenas esboçando um leve sorriso, em assentimento, entrando no carro em seguida. Em segundos, o veículo se pôs em movimento e se perdeu em meio ao caos do trânsito.
Ele havia voltado para casa, para seu lar e país, aquela que já fora uma nação temente a Deus e seguidor de suas leis, mas que, assim como as demais, havia deixado de ser.
Contudo, isso já não importava. Voltaria a sê-lo.

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